O dado não está dado: ativismo, corpos e territórios

Os pesquisadores do Jararaca, Rodrigo Firmino e Gilberto Vieira, se juntaram às ativistas e pesquisadoras Flávia Ribeiro e Mariane Castro em Salvaterra (Marajó/PA) para uma roda de conversas sobre ativismo de dados e suas profundas e complexas relações com corpos e processos de territorialização. A sessão fez parte do 2o CODA Amazônia, organizado pela Escola de Dados e pela Open Knowledge Brasil entre 30 de agosto e 02 de setembro de 2023, em Belém e Salvaterra.

A proposta para esta roda de conversa — que poderia ser um painel, um seminário e qualquer outro formato de discussão — surge da necessidade de compreender as dimensões do movimento de mobilização do ativismo de dados e suas diferentes formas de materialização regionais, nos corpos e nos territórios, algo que também atravessou outros momentos do CODA em Belém.

Gilberto e Rodrigo têm tentado compreender esse fenômeno olhando para a América Latina, com uma atenção direcionada para as periferias (em todos os sentidos, não apenas no geográfico). A hipótese é que o trabalho com dados, em suas diversas manifestações, faz parte de um tipo de resistência à opressão como forma de reivindicar um reposicionamento das periferias como centro na construção de outros futuros possíveis em todos os territórios, sendo que nosso foco são as grandes cidades latino-americanas.

Nos estudos urbanos, eles (e o próprio Jararaca) se apóiam em trabalhos como o da socióloga brasileira Ana Clara Torres Ribeiro, do geógrafo brasileiro Milton Santos e da urbanista indiana Ananya Roy para olhar para a inseparável coexistência de corpos e territórios materializados na existência e na ausência de dados e conhecimento sobre as diversas camadas que formam nossa realidade cotidiana nas grandes cidades (mas não apenas nelas). É pensar o chamado território periférico — no contexto do que a Ananya Roy vai chamar de urbanismo subalterno, ou ainda o território usado para o Milton Santos e para a Ana Clara — considerando os corpos que co-constituem esses territórios, como tecnologias de (re)existência.

Eles pensam não ser possível falar sobre uma coisa sem pensar na outra, principalmente na construção de resistências e futuros alternativos. Na academia, esse tem sido, tardiamente, um tema cada vez mais explorado em várias disciplinas, principalmente quando se valoriza uma perspectiva decolonial, a partir de outras compreensões do que possa ser o território. Essa indissociação entre corpos e territórios está muito presente na obra da antropóloga mexicana, Delmy Tania Cruz Hernández, sobretudo em um texto chamado “Una mirada muy otra a los territorios-cuerpos femininos” em que ela constrói essa ideia pela perspectiva do feminismo, o que torna o conceito ainda mais potente.

Mas isso também é, por exemplo, pensar sobre maretórios. Essa ideia é potente pois são os corpos e o território situados, aterrados e encarnados (fazendo uma referência à fala do pesquisador Lavits Henrique Parra, na mesa de encerramento da parte do evento em Belém, no dia anterior).

Pesquisadores/as do Jararaca têm tentado pensar essas questões por meio de projetos de pesquisa, mas as demais participantes da mesa, além de suas relações com a academia, possuem a inestimável experiência do ativismo e do envolvimento direto com esses corpos-territórios (inclusive como parte dessa formação). Aliás, é o caso de perguntar sobre o significado de pensar nessas relações em Salvaterra, no Marajó, e com os corpos que ali estão, ou mesmo das sessões dos dias anteriores do evento, no Guamá, em Belém, com os corpos que lá estavam.

Esta roda de conversas foi sobre isso. Sobre essa catarse de dados, ativismos, corpos e territórios. Em 2023, o Jararaca realizou a produção de uma temporada do podcast Ningún Lunes Sin Pensar, como foco justamente nessas relações. São apenas 5 episódios sobre algumas poucas camadas que formam essa relação inseparável de corpos-territórios pelos dados e pelo ativismo, parte também do que tem sido chamado de geração cidadã de dados. Foi um pouco a partir dessa experiência que nasceu o desejo de compor essa mesa, e de provocar um diálogo com essa diversidade de corpos e vivências que estavam representadas.

Sobre o título e o tema desta sessão, há uma constante provocação nos trabalhos do Jararaca sobre a necessidade de discutir o fato de que o dado nunca está dado! Esta roda do CODA Amazônia pretendia dar ênfase ao fato fundamental de que dados e narrativas são construções tecnopolíticas que implicam compreender as lutas (urbanas) por meio de alguns recortes: da existência, da inexistência, do apagamento, da emancipação, e da mobilização de dados e realidades do território para organizar interesses e visões de mundo em disputa. No podcast, no último episódio, foi lançada com uma pergunta dupla que se conecta diretamente com as falas da mesa em Salvaterra: os corpos-territórios estão nos dados? E os dados, estão nos corpos-territórios?

Fotos: Marlus Araújo e Henrique Parra.

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