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Foto: iStock.

O sequestro do espaço público por táticas de vigilância e securitização

Por Rodrigo Firmino

Temos acompanhado um interesse maior nas maneiras pelas quais tecnologias digitais têm servido de suporte para a intensificação de práticas ligadas ao controle de dados pessoais, movimentos e fluxos, acessos e comportamentos. Nem sempre, porém, a reflexão alcança o impacto que tais práticas têm nos territórios — cada vez mais monitorados e securitizados para usos predefinidos como “adequados” por gestores e empresas privadas.

Essas práticas são definidoras de fronteiras (materiais e imaginárias) que estabelecem quem é permitido em determinados espaços e segundo quais protocolos de comportamento. São, portanto, definidoras de territórios urbanos controlados e exclusivos. Isso já poderia ser uma questão se estivéssemos tratando apenas de espaços privados (como grandes condomínios fechados, por exemplo), mas tais práticas estão moldando, cada vez mais, os espaços públicos das cidades brasileiras e latino-americanas, o que torna o assunto ainda mais urgente.

No discurso predominante da gestão pública, que considera essas associações entre espaço e tecnologia a expressão contemporânea de uma suposta inteligência urbana, existem diversas possibilidades narrativas que reificam e fetichizam tecnologias de vigilância e gestão como soluções para quase todos os aspectos da vida urbana contemporânea, depositando na eficiência de processos a marca da cidade neoliberal e inteligente. Tal visão não considera a complexidade do espaço urbano e ignora a compreensão do espaço e das tecnologias como construções sociais.

É preciso compreender os processos pelos quais certas tecnologias são apropriadas como parte de arranjos sociotécnicos que definem a vida em sociedade e afetam a experiência no espaço das cidades. Arranjos sociotécnicos é uma expressão usada aqui para explicar a rede inseparável de atores humanos e não humanos, bem como interesses, conflitos, alianças, acordos, controvérsias, etc., que definem diferentes apropriações sociais de sistemas tecnológicos. Isto é importante pois retira o foco de um único objeto ou sistema, e reforça a importância do contexto social e histórico em que um sistema tecnológico é apropriado. O aparato técnico, ou as intervenções arquitetônicas, ou ainda os sistemas legais, passam a ser apenas alguns dos elementos desse arranjo. Assim, a definição dos territórios urbanos é, nessa perspectiva, emblemática na composição de dispositivos de controle e resistência, e pode ser entendido como tecnologia política.

Neste sentido, cabe salientar que cresce rapidamente o número de intervenções (digitais e construtivas) para tornar certas porções das cidades mais controladas, segregadas, e exclusivas a usos e comportamentos predeterminados como aceitáveis. São inúmeros casos na Europa, América do Norte e, de maneira crescente, na América Latina, em que a gestão e o funcionamento de espaços públicos têm sido influenciados por arranjos sociotécnicos que envolvem um aparato legal e tecnológico para definir um crescente controle privado.

O foco aqui está no uso de exemplos de territórios securitizados, no poder de gestão, e de controle de movimentos e ações no espaço urbano, levando a criação de diferentes camadas territoriais na cidade. Com isso, por um lado, reforça-se o uso de estratégias de controle e securitização por atores privados em espaços públicos, contribuindo para o aumento da segregação espacial, e para a privatização/financeirização do meio urbano, além de uma nociva sobreposição dos limites e da influência da propriedade privada sobre o domínio público. Por outro, expõe-se o tácito (ou, em alguns casos, explícito) consentimento do Estado para garantir, e em muitos casos para ampliar, esses tipos de situação.

Leia o texto completo na coluna do Intervozes da revista Carta Capital.


[1] Para Milton Santos, fixos e fluxos são elementos do espaço que representam sua materialidade e as ações que o animam. Fixos são conjuntos de artefatos e estruturas fixadas territorialmente, e fluxos são representações de ações sociais que dão significado aos fixos, e ambos compõem o espaço em sistemas de objetos e sistemas de ações.

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Rodrigo Firmino participou do Primeiro Seminário de Geografias Abolicionistas, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (fflech) da Universidade de São Paulo.

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