Sala de Controle da Muralha Digital (Foto: Rodrigo Felix Leal/Agência Estadual de Notícias).

A economia política da vigilância “inteligente” em Curitiba

Como a vigilância algorítmica e a narrativa das cidades inteligentes se entrelaçam na capital paranaense? O artigo Building a Digital Wall: The Political Economy of Smart Surveillance in Curitiba, Brazil, de Gabriel Pereira, Carolina Israel, Rodrigo Firmino, Henrique Kramer e Júlia Abad, publicado na revista Globalizations, examina criticamente o projeto Muralha Digital da Prefeitura de Curitiba, que integra tecnologias de reconhecimento facial e monitoramento em tempo real para fins de segurança pública.

O estudo se baseia na economia política da vigilância e na obra do geógrafo Milton Santos para analisar como a Muralha Digital se insere na fábula da cidade inteligente e no avanço da privatização dos sistemas de segurança urbana. A pesquisa revela a relação entre o setor público e atores privados na implementação dessas tecnologias, destacando o papel do Instituto Cidades Inteligentes (ICI) e empresas como a chinesa Hikvision, fornecedora dos equipamentos de reconhecimento facial. A análise mostra que, por meio de parcerias público-privadas e contratações diretas, a cidade vem consolidando um modelo de governança digital opaco e de difícil escrutínio público.

O artigo discute como a Muralha Digital se apoia na retórica da eficiência tecnológica para justificar um aparato de vigilância em larga escala, utilizando o medo da violência urbana como motor para a expansão do controle algorítmico da cidade. O discurso oficial reforça a ideia de que a segurança pública pode ser aprimorada através da coleta e análise massiva de dados, sem considerar os riscos de discriminação algorítmica, ampliação de desigualdades espaciais e impactos na privacidade e na liberdade de circulação dos cidadãos.

A pesquisa também revela como Curitiba, tradicionalmente promovida como um modelo de inovação urbana no Sul Global, utiliza a Muralha Digital como vitrine para um novo paradigma de cidade inteligente fortificada. Durante eventos internacionais, como o Smart City Expo, a cidade exibe seu sistema de vigilância como um caso de sucesso, impulsionando a adoção de soluções similares em outras cidades brasileiras e latino-americanas. No entanto, o artigo argumenta que essas tecnologias não são neutras e que sua implementação, sem mecanismos de controle democrático, pode aprofundar assimetrias de poder e restringir direitos fundamentais.

Distribuição das câmeras de vigilância do projeto Muralha Digital em Curitiba, coloridas por tipo de tecnologia.

Ao analisar as conexões entre segurança pública, privatização de dados e tecnopolítica urbana, o estudo contribui para um debate urgente sobre os limites e riscos da adoção irrestrita de tecnologias de vigilância no contexto latino-americano. A pesquisa reforça a necessidade de uma governança transparente e participativa no desenvolvimento de infraestruturas urbanas digitais, evitando que a lógica do controle e da segurança justifique a ampliação de um Estado de vigilância permanente.

📄 Leia o artigo completo na revista Globalizations

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