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A vez da maioria do mundo?

Foto: Ricardo Stuckert

[Digerindo a vitória de Lula em 2022]

Por Rodrigo Firmino

Quando estou na cidade, tenho a impressão que estou na sala de visita, com seus lustres de cristais, seus tapetes de veludo, almofadas de cetim. E quando estou na favela, tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo. […] nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerada marginal. Não mais se vê os corvos voando às margens dos rios, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos. […] Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido. O Brasil devia ser dirigido por quem passou fome.”

(Carolina Maria de Jesus, “Quarto de despejo”, 1960)

Carolina Maria de Jesus nunca foi tão atual em sua descrição das agruras do povo periférico, sobre as dificuldades de se viver nas margens da cidade formal, na favela. Mas também nunca foi tão atual por mostrar a força que emana dos territórios da maioria do mundo. A maioria do mundo que é constantemente explorada, oprimida, violentada, e invisibilizada quando convém às classes hegemônicas. Trata-se, segundo AbdouMaliq Simone (2018)[1], de uma maioria urbana (urban majority).

“Na pós-colônia, distritos “de maiorias” serviram em grande parte como interstícios entre a cidade moderna de cadastros, redes, emprego contratual, zoneamento e instituições demarcadas setorialmente, e as zonas de residência temporária, improvisada e em grande parte empobrecida” (tradução livre).

A cidade é o foco. O foco das tensões, dos conflitos, das disputas, dos privilégios e das desigualdades, da sobrevivência, da resistência, e da constante reconstrução de possíveis futuros menos desiguais, mais justos e democráticos. É na cidade em que se dão as guerras, as guerras de mundos — mesmo quando essas guerras não envolvem apenas o espaço físico das cidades, e estejam na floresta e no campo. E é na cidade onde aparecem as vísceras das lutas, das derrotas e das vitórias do povo e dos trabalhadores…

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Rodrigo Firmino participou do Primeiro Seminário de Geografias Abolicionistas, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (fflech) da Universidade de São Paulo.

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