Dados, vigilância e resistência na CriptoFunk

Texto por Rodrigo Firmino e Pietra Milani.

(Fotos: Pietra Milani)

Nos dias 22 e 23 de novembro de 2024, a CriptoFunk reuniu coletivos, pesquisadores e ativistas no Complexo da Maré para discutir as relações entre tecnologia, vigilância e liberdade. Inspirada no movimento global das criptofestas, a CriptoFunk é um evento gratuito que busca democratizar o conhecimento sobre privacidade digital, proteção de dados e justiça tecnológica, com uma abordagem territorializada e conectada à cultura popular.

O Jararaca esteve presente com diversas atividades integradas ao projeto “Dados e ativação comunitária sobre o uso de reconhecimento facial na segurança pública”, apoiado pela CAPES por meio do edital PROEXT-PG. O projeto tem como foco investigar criticamente os impactos do reconhecimento facial na segurança pública, promovendo conscientização e formas de resistência tecnopolítica. As atividades contaram com a colaboração do grupo Tecnosfera (UFPR, coordenado por Carol Israel), do MediaLab.UFRJ (coordenado por Fernanda Bruno) e do data_labe, (representados neste projeto por Gilberto Vieira e Elena Wesley) organizador da CriptoFunk. O evento também contou com apoio da LAVITS, Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade, que reúne vários pesquisadores e ativistas membros desses laboratórios.

Interagindo com a caixa-preta do reconhecimento facial

Uma das principais atividades foi a instalação interativa “Bota a cara: vendo pelos olhos do algoritmo”, que permitiu ao público experimentar, na prática, como funcionam os sistemas de reconhecimento facial. A interação aconteceu por meio de dois algoritmos diferentes que analisavam expressões faciais, emoções, idade e gênero dos participantes. Esses algoritimos foram construidos por André Pecini e Rubia Sehnem, inspirados nos modelos da Microsoft e da Meta. O objetivo foi evidenciar os vieses e limitações dessas tecnologias, demonstrando como diferentes grupos sociais são impactados de forma desigual por esses sistemas.

(Fotos: Pietra Milani)

O alto engajamento do público evidenciou o interesse e a preocupação com a crescente implementação de tecnologias de vigilância, especialmente em espaços públicos e periferias urbanas. Muitos participantes se surpreenderam com a forma como suas características eram classificadas pelos algoritmos, o que gerou reflexões importantes sobre racismo algorítmico, questões de gênero, controle social e direito à privacidade.

Oficinas: pensando e resistindo ao reconhecimento facial

Para aprofundar a discussão, realizamos duas oficinas:

  • “Passando a Visão: vieses e impactos do reconhecimento facial”– Em parceria com a campanha nacional #Tiremeurostodasuamira, esta oficina abordou os desafios técnicos e éticos do reconhecimento facial. Relacionando com a experiência da instalação “Bota a cara”, Rodrigo Firmino, André Pecini e Rubia Sehnem apresentaram conceitos básicos sobre o funcionamento de algoritmos de processamento de imagens. Após essa introdução, os participantes analisaram casos reais, como prisões injustas baseadas em erros algorítmicos e o monitoramento de emoções em escolas. A discussão seguiu com a exposição de Carolina Israel sobre as limitações técnicas dessas tecnologias, de Julia Abad sobre os problemas estruturais e questões éticas e de Yasmin Rodrigues (O Panóptico) e Felipe Silva (LAPIN) sobre racismo algorítmico. Também discutimos formas de resistência, desde o letramento digital até a regulamentação e o banimento do reconhecimento facial na segurança pública.

(Fotos: Pietra Milani)

  • “Pinta a cara: quem vê cara não vê vigilância”– Uma experiência lúdica e criativa que propôs técnicas de maquiagem inspiradas em padrões antivigilância elaboradas por Débora Pio, Yasmin Marques e Pietra Milani. Os participantes puderam testar técnicas de maquiagem que dificultam o reconhecimento facial, expressando formas individuais de resitência e subversão. A oficina gerou questionamentos sobre as possibilidades e limites dessas estratégias de resistência.

(Fotos: Pietra Milani)

Live painting e arte como forma de resistência

Além das oficinas, Yasmin Marques, vulgo yas, realizou uma performance de live painting que resultou em um mural de grafitti sobre vigilância e reconhecimento facial. A intervenção artística aconteceu na parte externa do galpão onde ocorreu o evento e chamou a atenção das pessoas que passavam na frente, promovendo a interação entre o evento e a comunidade.

 

(Fotos: Pietra Milani)

Painéis e Debate Público

Membros do JararacaLab, do Tecnosfera e do MediaLab.UFRJ também participaram de debates na CriptoFunk, trazendo reflexões sobre inteligência artificial, reconhecimento facial e direito à cidade. Um dos painéis mais marcantes foi “Barrados no Baile! Inteligência Artificial, Reconhecimento Facial e Direito à Cidade”, que problematizou como essas tecnologias reforçam desigualdades e restringem o acesso a espaços culturais e urbanos.

(Fotos: Patrick Marinho)

Por fim, a CriptoFunk 2024 foi um espaço fundamental para ampliar o debate sobre tecnologia, vigilância e justiça social. O envolvimento da comunidade mostrou que, apesar da complexidade técnica dos algoritmos, suas consequências são sentidas de maneira concreta e cotidiana. A resistência tecnopolítica não passa apenas pela crítica, mas também pela criação de alternativas, ações educativas e formas de mobilização coletiva.

Seguimos fortalecendo essas discussões e construindo redes de resistência, conectando tecnologia e territórios para um futuro mais justo e inclusivo. Essa participação foi apenas a primeira de um total de quatro oficinas de ativação, previstas no projeto do PROEXT-PG até 2026, duas no Rio de Janeiro e duas em Curitiba.

As atividades também contaram com o apoio imprescindível de toda a equipe do PROEXT-PG. Nem todos puderam estar presencialmente no Rio de Janeiro, mas é importante mencionar, além dos nomes já citados nas atividades, o suporte essencial na concepção, divulgação, produção de textos e materiais para as oficinas, dado por: Ana Costa (PUCPR), Denise Maia (PUCPR), Fernanda Bruno (UFRJ), Henrique Kramer (PUCPR), Marcos de Oliveira (UFPR) e Sofia Moresca (PUCPR).

(Cartaz do Bota a Cara. Arte: Ana Costa)

Confira mais fotos do evento aqui.

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