Projeto de extensão universitária: JararacaLab/PPGTU + Lavits
Veja o pôster de apresentação do projeto
O emprego do reconhecimento facial enquanto mecanismo de controle preventivo e repressivo da criminalidade atende a demandas por segurança alimentada pelo medo da violência urbana. Entretanto, o uso dessa tecnologia leva a um vigilantismo ampliado em espaços públicos, a partir de um viés algorítmico discriminatório, e pode criar espaços hostis e propícios à violação de direitos e garantias fundamentais como liberdade, privacidade, proteção de dados pessoais, reunião e associação. O projeto de extensão “campanha de conscientização e construção de proposta legislativa para o banimento de tecnologias de reconhecimento facial em espaços públicos em Curitiba”, se constitui como uma das estratégias possíveis de resistência contra o uso desta tecnologia no âmbito de um sistema de segurança urbana opressor, na busca pela preservação de um espaço público livre e democrático e pela criação de novas narrativas acerca da vigilância em massa na administração pública e no planejamento urbano. Com isso, provoca-se um questionamento sobre nuances de manifestação do direito à cidade, principalmente por parte de parcelas estigmatizadas e minorizadas da população, como os moradores de áreas periféricas, as pessoas negras, mulheres e pessoas trans.
Relevância
A partir das relações da segurança pública no âmbito do planejamento urbano, o uso de tecnologias de vigilância tem se colocado como um mecanismo de controle repressivo da violência e da criminalidade em espaços públicos e privados. O uso do videomonitoramento com a tecnologia de reconhecimento facial viabiliza a localização, identificação e determinação de indivíduos, de forma constante e indiscriminada, e, consequentemente, torna os espaços públicos ambientes hostis, violando direitos fundamentais como a liberdade, privacidade e a proteção de dados.
Nesse sentido, o que se mostrava como uma possibilidade de vigilância para a diminuição da violência urbana, se tornou um mecanismo de violação de direitos inerentes aos sujeitos, como da igualdade e não-discriminação, na medida que essas tecnologias acompanham as realidades segregadoras e racistas do sistema criminal, tornando os ambientes públicos de encontros e protestos locais passíveis de criminalização para a população no geral. Conforme um estudo recente da Rede de Observatório da Segurança (2019)[1] 90,5% dos presos por reconhecimento facial no Brasil são negros. Isso ocorre a partir do racismo algorítmico[2], principalmente em função da imprecisão da ferramenta. A utilização da ferramenta tem se mostrado como mais um mecanismo de opressão e encarceramento em massa da população preta, pobre e periférica.
No contexto do estado do Paraná, o Projeto de Lei no 148/2019, em trâmite, que torna legal o uso de reconhecimento facial em locais públicos pela Segurança Pública, se mostra ausente de proposições quanto à segurança de dados e prevenção do uso da ferramenta de modo discriminatório. Frisa-se, também, a ausência de uma análise pormenorizada das questões sociais envolvendo o uso dessa tecnologia.
Em Curitiba, o uso da tecnologia foi previsto a partir do projeto denominado “Muralha Digital”, e da Lei Municipal que cria a “Política Municipal de Videomonitoramento de Curitiba”. O projeto tem como objetivo principal uma “Curitiba mais inteligente”, a partir de um alto investimento para a implementação de câmeras de videomonitoramento para reconhecimento facial e identificação de placas de veículos nos espaços públicos de grande circulação. Trazendo a promessa de proteção dos espaços públicos e conceitos ainda vagos como “mapa do crime” e “incidentes criminais”, o projeto tem caminhado a passos largos com pouca informação disponível para a sociedade e nenhuma análise crítica quanto às repercussões discriminatórias e opressoras pela imprecisão e mal uso dessas ferramentas.
Programa e atividades
As atividades principais do projeto envolveram cinco diferentes fases, com a participação da equipe e outros grupos que se relacionam com este projeto no âmbito da Rede Lavits e dos movimentos sociais em Curitiba. A primeira fase, acadêmica e conceitual, envolveu sessões de estudo sobre o tema, revisão de literatura e de principais casos e campanhas de resistência no Brasil e no exterior. Essa fase culminou com a produção de um texto explicativo sobre o uso de reconhecimento facial, principais estudos e referências sobre o assunto, e problemáticas no escopo da segurança urbana e espaços públicos. A segunda fase compreendeu a sensibilização de parlamentar historicamente ligada à defesa dos direitos humanos de populações estigmatizadas, e o convite para compor a equipe do projeto de extensão. Neste momento, passou a compor a equipe do projeto a assessoria da vereadora Carol Dartora. A terceira fase foi caracterizada pela organização de reuniões e debates para conscientização de outros parlamentares (nos níveis municipal e estadual), movimentos sociais e setores da sociedade civil, com a finalidade de alertar sobre os problemas do uso do reconhecimento facial em espaços públicos, e para aumentar adesão e apoio à proposta legislativa. A quarta fase compreendeu a construção do texto da proposta e apresentação junto à Câmara Municipal de Curitiba. O protocolo do projeto coincidiu com o momento da campanha nacional #TireMeuRostoDaSuaMira (tiremeurostodasuamira.org.br) para a proposição de projetos similares em outros municípios e estados brasileiros, no que ficou conhecido como “dia do protocolaço”, em que mais de 50 parlamentares apresentaram propostas de legislação pelo banimento. Finalmente, a quinta fase, em andamento, corresponde ao monitoramento (e inclusão de eventuais mudanças e melhorias) da tramitação do projeto de lei na Câmara Municipal de Curitiba, até sua aprovação ou rejeição pelo plenário da casa.
Produtos
O principal produto oriundo do projeto é, fundamentalmente, a proposição legislativa (no 005.00138.2022), que tramita na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) desde 01/07/2022 e que dispõe sobre a restrição do uso, pelo Poder Público, da tecnologia de reconhecimento facial em espaços públicos no âmbito da cidade de Curitiba. A equipe cuidou de promover o protocolo do projeto e de acompanhar sua tramitação junto às comissões que compõem a CMC, com a realização de estudos e debates para o protocolo de uma emenda substitutiva. Conquanto o produto principal deste projeto seja a elaboração e o acompanhamento da tramitação do projeto lei, este processo foi precedido de reuniões de articulação com o mandato da então Vereadora Carol Dartora e, subsequentemente, de reuniões com outros atores da sociedade civil como movimentos sociais e, também, grupos de pesquisa, Defensoria Pública do Estado do Paraná e Ministério Público do Estado do Paraná.
Como produto da articulação que precedeu a propositura do projeto de lei, foi realizado um evento intitulado “Espaços Públicos e reconhecimento facial em Curitiba”, em 25/08/2022, com a presença do pesquisador Tarcízio Silva (UFABC), que expôs características da tecnologia de reconhecimento facial, os diferentes tipos de situações em que pode ser utilizada e, sobretudo, os riscos do emprego desta tecnologia no monitoramento de espaços públicos, no contexto de estruturas judiciais e policiais punitivistas, vigilantistas e racistas. Foram discutidos também os projetos do governo local de utilizar essas tecnologias no âmbito do sistema Muralha Digital, que integra a Política Municipal de Videomonitoramento de Curitiba. E, por fim, foi apresentado o mencionado projeto de lei. A partir da realização deste evento, foram estabelecidos diálogos com o mandato do deputado estadual Goura (PDT/PR) e com a professora Carolina Israel, do núcleo local do Observatório das Metrópoles. Este contato indicou a possibilidade de encaminhar o debate para o âmbito estadual e para questões como o uso desta tecnologia na rede estadual de ensino.
A fim de acompanhar a tramitação do PL e fomentar, em Curitiba, o debate que o atravessa, foram realizadas, ainda, diversas atividades da equipe do projeto em conjunto com a Campanha Nacional #TireMeuRostoDaSuaMira, pelo banimento do uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública, entre 28 e 02/11/2022. Estas atividades consistiram em reuniões com parlamentares interessados no tema, membros da Comissão de Constituição e Justiça e vereadores da bancada de oposição, mas também deputados estaduais que teriam interesse em propor este debate na esfera estadual. As atividades incluíram, ainda, a participação na Audiência Pública sobre População em Situação de Rua (30/11/2022), realizada no Tribunal de Justiça do Paraná, onde a campanha nacional e as ações locais foram expostas, além de reunião com a Defensoria Pública do Estado do Paraná e da realização de atividade na UFPR em que os membros da campanha nacional facilitaram um debate aberto em torno de uma agenda local para direitos digitais com a participação do Jararaca, na pessoa do professor Rodrigo Firmino e outras organizações da sociedade civil.
Equipe
Coordenação: Rodrigo Firmino. Professor titular do do PPGTU/PUCPR, e membro-fundador da Rede Lavits. É também coordenador do grupo Jararaca e editor associado da Revista Urbe | Planejamento e execução: Julia Faustina Abad. Mestranda do PPGTU/PUCPR. Analista em Regulação de Vagas Prisionais do Programa Fazendo Justiça (CNJ/PNUD), especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e bacharel em Direito pela PUCPR; e Henrique Kramer da Cruz e Silva. Mestrando do PPGTU/PUCPR, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e bacharel em Direito pela UFPR | Articulação parlamentar: Ex-Vereadora de Curitiba e atual Deputada Federal Carol Dartora (PT/PR), doutoranda do PPGTE/UTFPR, mestra em Educação pela UFPR, especialista em Filosofia pela UFSCar e graduada em História pela UERJ | Assessoria parlamentar e execução: Alice Dandara de Assis Correia, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, mestranda do PPU/UFPR, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC, bacharel em Direito pela UNIT-SE, coordenadora jurídico-legislativa do mandato Carol Dartora | Comunicação e execução: Géssica Medeiros, assessora parlamentar do mandato Carol Dartora, militante do PT, bacharel em Direito pela UFPR | Comunicação e arte: Manoela Jazar. Pós-doutoranda do PPGTU/PUCPR. É doutora e mestre em gestão urbana pelo PPGTU, e arquiteta pela PUCPR.
[1] Retratos da Violência – Cinco meses de monitoramento, análises e descobertas. Coordenado por Silvia Ramos, Rede de Observatórios da Segurança/CESeC.
[2] Linha do Tempo do Racismo Algorítmico. Por Tarcízio Silva.